" LIBERDADE E ESCRAVIDÃO ", POR PAI JOÃO DE ARUANDA


" CONVERTIDO, POR FORÇAS DAS CIRCUNSTÂNCIAS, EM SACERDOTE DA NATUREZA, DESTA VEZ NUM CORPO NEGRO, NO VENTRE DA ÁFRICA, CONHECI DE PERTO O CANTO DOS ESCRAVOS AO ADENTRAR OS PORÕES DOS NAVIOS NEGREIROS. ERA O CHORO E O LAMENTO DAQUELES QUE ESCOLHERAM CONTRIBUIR PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL DA PÁTRIA BRASILEIRA. "

Pai João de Aruanda, também conhecido como João Cobú é um espírito milenar por essas paragens... Ele já viu muita coisa, muita de muita mesmo, e uma de suas encarnações ele foi senhor de engenho nos EUA, posteriormente, escravo, aqui em Minas Gerais... A seguir, uma reflexão do mesmo, sobre LIBERDADE:

" Liberdade, meu filho, é algo que pode ser compreendido de diversas formas. Mas a liberdade de que tanto defendem parece ser uma forma de se liberarem dos compromissos assumidos.
A liberdade não é total no mundo chamado Terra. Estamos livres dependendo da compreensão e da consciência que temos desenvolvido ao longo do tempo. Mas, à medida que nos entimos moralmente livres, ligamo-nos a compromissos, tarefas e ideais que abraçamos naturalmente, em nome do progresso das almas, da comunidade e do mundo. Dessa maneira, nunca estamos completamente livres, no sentido em que muita gente fala por aí.
A liberdade é para o bem, e não para o mal. Entendamos isso. É que o mal - no sentido de desequilíbrio, dos impulsos que dominam o ser e outras coisas semelhantes - acorrenta o homem e o torna dependente, escravo de suas próprias viciações. E essa escravidão é tão intensa, dominando tanto mente como corpo, que o individuo subjugado pela viciação e pelo desequilíbrio tem a impressão de que age daquela forma justamente por ser livre, acreditando estar no pleno exercício de sua própria vontade.
Veja como a ação da escravidão é hipnótica, meu filho. A situação íntima de sujeição mental disfarçada de aparente liberdade enrijece o homem em suas faculdades anímicas. A razão e o bom senso são prejudicados pela ilusão de soberania e pelo suposto gozo do livre arbítrio, o que, na verdade, já denota a ação hipnótica da submissão aos sentidos.
É dessa escravidão que nego velho vem falar e também da necessidade de se libertar da ilusão criada pela hipnose dos sentidos e dos sentimentos. Somente com muito estudo, conscientização e comprometimento profundo com os ideais do Evangelho, meu filho, é que podemos despertar do transe momentâneo e alcançar a alforria espiritual.
A liberdade de que fala nego velho não se assemelha à liberdade dos animais selvagens que correm em bandos pelas pradarias africanas. Isso não é liberdade; é falta de direcionamento. Falo de uma liberdade de pensamento associada à consciência e ao compromisso com o Cristo. Não um compromisso de natureza religiosa, e sim com os valores que o Nazareno defendeu, atestou e representa. A liberdade de que nos fala o Evangelho é aquela que nos faculta ver a vida, o mundo e nossa própria existência de uma forma mais ampla, justamente por isso ligado ao coração daquele que dirige os destinos da humanidade terrena.
Somos servidores de Nosso Senhor Jesus Cristo, seus auxiliares na transformação do mundo e parceiros na tarefa da redenção das almas. Sendo assim, a liberdade verdadeira é extremamente comprometida com o trabalho de renovação. Não existe liberdade plena, como proclamam alguns, já que estamos e estaremos sempre ligados a um ideal e trabalhando unidos ou submissos ao Senhor da Vida. De duas, uma: ou nos achamos cativos do mundo e daquilo que representa a vida mundana ou servimos ao Nosso Senhor, em regime de parceria. O primeiro caso reserva-nos a hipnose, o deslumbramento e o torpor dos sentidos, oriundos da ilusão em que o mundo material nos faz ingressar - acreditamos ser senhores absolutos de nossa vontade, embora estejamos apenas seduzidos pela ilusão dos sentidos. Na segunda hipótese, servimos ativamente como cooperadores de Jesus. É um serviço voluntário, que abre a visão da alma e promove o ser humano, de tal maneira que a satisfação em servir se completa com a felicidade de se sentir útil na construção do mundo.
Veja, meu filho, quanto são diferentes essas duas formas de liberdade de que fala pai-velho.
A alforria da alma se manifesta no dia a dia; não entra em vigor através de decretos escritos nem está submissa às convenções estabelecidas pela política do mundo. As leis estatuídas pelo homem podem ser interpretadas de acordo com a época, o lugar e a vontade de cada um. Além disso, elas não têm o poder de estimular os indivíduos a agirem, em sua intimidade, de acordo co aquilo que estabelecerem. Os códigos e regulamentos humanos não regem a vida íntima, não alcançam as dimensões subjetiva, psicológica e espiritual. Por isso, a libertação verdadeira é a do pensamento e dos sentimentos e só pode ser conquistada mediante o esforço de superação e modificação interior. É alforria que se constitui obra de toda uma vida, e não resultado de uma obediência programada a quaisquer normas impostas e forjadas pela política e pela sociedade dos homens.
E por falar em política, meu filho, é preciso dizer que a política divina - oposta, em seus princípios, à política humana - é baseada no amor, conforme Nosso Senhor falou em seu Evangelho. Pense nisso e perceba quanto temos ainda por caminhar na estrada da libertação verdadeira. A Lei Áurea foi promulgada para que os brancos libertassem os negros, mas o Evangelho e as ideias nele contidas são a carta de alforria para todos os homens, filhos de Deus.
Será que você acha, meu filho, que os negros foram libertos, de fato? Você será ingênuo a ponto de pensar que não existem mais escravos e senhores no mundo atual? É possível acreditar que os preconceitos de raça, cor ou religião não persistem até hoje? Então, como pretender que um decreto qualquer possa estabelecer algo que, por natureza, é conquista de alma?
É bom refletir sobre essas questões, filho, e analisar bem a situação de nosso planeta, da sociedade e de quantos ainda hoje participam desse estado de escravidão mental, social e ideológica.
Ao presenciarmos esse tipo de servidão íntima e social, somos compelidos a meditar um pouco mais sobre a forma de lutar pela liberdade. Pai-velho não fala de passeatas, bandeiras, gritarias ou manifestações populares variadas, que visam demonstrar uma aparência de preocupação com direitos humanos ou igualdade social, que o mundo ainda está longe de conquistar. Falo, sim, de uma obra de educação do pensamento e dos sentimentos. Mas esse é um processo longo, diário, que nos insere a todos na proposta educativa do Nosso Senhor, expressa em seus ensinamentos.
Não adianta muita coisa fazer passeatas, manifestações políticas ou coisas semelhantes se não investirmos na educação do pensamento e na libertação verdadeira, que é algo mais íntimo e espiritual. A revolução de que precisamos é a da alma, do pensamento, da educação no  sentido mais amplo, sem a qual não alcançaremos a alforria e a liberdade tão sonhadas. "


CAPÍTULO 1 DO LIVRO: " PAI JOÃO ", POR ROBSON PINHEIRO

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